O mundo já conviveu várias vezes com o petróleo acima de US$ 100 por barril e, apesar do impacto imediato sobre inflação, balança comercial de importadores líquidos e custos de transporte, o resultado de longo prazo tem sido bem diferente do cenário de “colapso global” que muitos temem. Desde 1973, três momentos se destacam: 2008 (pico nominal médio de US$ 133/barril), 2011-2014 (três anos sustentados acima de US$ 100) e 2022, quando o Brent voltou brevemente a três dígitos após a invasão da Ucrânia. Em todos eles:
• A procura global recuou apenas marginalmente; o consumo
mundial caiu 1,5 % em 2008-2009, mas voltou a crescer em 2010.
• O investimento em eficiência energética e fontes alternativas acelerou,
reduzindo a elasticidade-renda do petróleo.
• A inovação no upstream – do shale norte-americano a projetos offshore de
ciclo curto – ganhou fôlego, ampliando a oferta potencial.
A série histórica do West Texas Intermediate (WTI) ilustra a
volatilidade de preços e a atual normalização:
Em maio de 2025, o WTI fechou em US$ 62,17/barril, quase 40
% abaixo da média de 2022 e 22 % inferior ao valor de um ano antes. Essa
trajetória reforça dois pontos centrais defendidos por David Zylbersztajn:
- A
economia global se tornou menos “intensiva em barril”. Entre 2010 e 2024,
o PIB mundial em paridade de poder de compra cresceu cerca de 45 %,
enquanto a demanda de petróleo avançou 10 %. Em termos simples, a razão
barris/US$ de PIB caiu aproximadamente 24 %.
- O
teto de preço é moldado mais pela resposta da oferta marginal –
notadamente shale oil e campos de ciclo curto – do que por escassez
física. A partir de 2015, a curva de custo do shale criou um “elástico” em
torno de US$ 60-80; preços acima de US$ 100 acionam rapidamente aumento de
perfuração e completamento de poços, limitando a sustentação de valores de
três dígitos.
Elasticidade-preço da demanda
ϵ=ΔQ/QΔP/P\epsilon = \frac{\Delta Q / Q}{\Delta P / P}ϵ=ΔP/PΔQ/Q
está hoje próxima de –0,2 para o horizonte de 12-18 meses, valor mais elevado
(em módulo) do que nos anos 1970 (-0,05 a ‑0,1), graças a eficiência
energética, veículos elétricos e mudança modal em transporte urbano.
Consequências práticas se o Brent voltar a US$ 110:
• Inflação: impacto direto de 0,4-0,6 p.p. no CPI dos EUA e
até 1,2 p.p. na zona do euro, mas bancos centrais já conseguem separar choques
de oferta de núcleos inflacionários.
• Câmbio emergente: países importadores (Índia, Turquia) sofrem deterioração de
conta-corrente; exportadores (Brasil, México) tendem a apreciar suas moedas ou
a acumular reservas.
• Transição energética: margens elevadas reforçam TIR de eólica offshore,
solar, biocombustíveis e hidrogênio; a IEA projeta que cada US$ 10 acima de US$
80 acelera a adoção de renováveis em 1-2 % ao ano.
No Brasil: cada US$ 10/barril adiciona R$ 0,20-0,25/litro à gasolina na refinaria (antes de impostos). O repasse pleno ao consumidor elevaria IPCA em cerca de 0,15 p.p., mas o país também ganha em royalties e participação especial, melhorando resultado primário de estados produtores.
Petróleo a US$ 100 é, hoje, problema gerenciável. O mundo aprendeu a
diversificar matriz, reduzir intensidade energética e explorar novas fronteiras
de produção. A lição de Zylbersztajn permanece válida: preços altos sinalizam
escassez de curto prazo, mas também catalisam mudança tecnológica e disciplinam
consumo. O resultado final costuma ser um retorno ao equilíbrio – quase sempre
a níveis bem abaixo do que parecia “novo normal” no auge do choque.